sábado, 27 de novembro de 2010

A legalização global das drogas é possível?


felipe_gonzalez.jpgPara o ex-presidente espanhol Felipe González (foto) parece que sim. Por ocasião das comemorações do 200º aniversário da independência do México este ano, González declarou recentemente que a violência em que vive o país não é um problema só do México. “O país está contando os mortos, enquanto o dinheiro gerado pelo narcotráfico, cerca US$ 350 bilhões por ano, estão do outro lado da fronteira com os Estados Unidos", afirmou. González disse também que as armas usadas pelo crime organizado vêm do país vizinho e defendeu que “esse desequilíbrio tem que mudar”.

Felipe González, que governou a Espanha de 1982 a 1996, se une assim ao coro de dirigentes internacionais que acreditam que a situação da violência organizada chegou a níveis tão altos que é necessário repensar a política de guerra às drogas.

A solução, para o ex-presidente espanhol, seria realizar uma conferência internacional para debater a legalização das drogas no mundo todo. Segundo González, uma decisão de legalizar as drogas deve ser global porque “nenhum país pode decidir isso unilateralmente sem um custo extraordinariamente alto para seus dirigentes”, admitiu.

González lembrou o que aconteceu durante a vigência da lei seca nos Estados Unidos, quando a proibição de vender bebidas alcoólicas, que esteve em vigor entre 1920 e 1933, teve como consequência o aumento da criminalidade. O ex-presidente convidou a população a olhar para trás e pensar nos milhares de pessoas mortas nos Estados Unidos por causa da expansão do crime organizado que se formou graças à ilegalidade da venda e consumo de bebidas alcoólicas. “Aquilo acabou quando se colocou fim à proibição e o negócio, junto com os impostos que se seguiram, se tornou legal”, afirmou González.

Debate aberto: mitos e realidades

As Nações Unidas calculam que existem no mundo mais de 200 milhões de consumidores de drogas, o que gera um negocio de mais de 270 bilhões de euros por ano. E a guerra às drogas não rendeu frutos. O Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Delito (UNODC) reconhece em seus relatórios que existe esse número se mantém estável. O Observatório Europeu de Drogas e Dependências Químicas (OEDT) também admite esta tendência.

A seguir por este camino, descriminalizar a posse e o consumo de drogas seria o primeiro passo na direção de uma mudança de paradigma. Felipe González concorda com a propuesta dos ex-presidentes do Brasil, Fernando Henrique Cardoso; México, Ernesto Zedillo, e Colômbia, César Gaviria, que pediram, em fevereiro do ano passado, no Rio de Janeiro, a descriminalização da posse de maconha para uso pessoal.

Miembros da Comissão Latino-americana sobre Drogas e Democracia, os ex-presidentes advogam por uma “mudança de estratégia” na guerra contra as drogas. O relatório preparado pela Comissão conclui que “tudo que foi feito até agora para combater a produção, a venda e o uso de drogas foi ineficaz e negativo, com um grande número de mortos e de dinheiro gasto sem que nada tenha mudado”.

José Miguel Sánchez Tomás, professor de Direito Penal da Universidade Rey Juan Carlos e advogado do Tribunal Constitucional, aponta a mesma direção. “Em todas estas declarações subentende-se um movimento na direção de uma mudança na guerra contra as drogas. Há 12 anos se concebeu que o objetivo era uma sociedade livre das drogas, se investiu muito dinheiro, e o problema não foi resolvido", conclui Tomás. "De concreto", afirma, "se emolduram as propostas dos ex-presidentes latino-americanos, países que passaram de produtores de drogas a também consumidores".

Tomás aprova a descriminalização do consumo e da posse, como foi feito na Espanha, em Portugal e na Itália. “Ao não perseguir o usuário, é possível se fazer políticas de prevenção e de saúde pública de forma integral, ao mesmo tempo que se diminui a pressão sobre um sistema judicial já asfixiado”, afirma. No entanto, Tomás não acredita que seja possível liberar o comércio e também não concorda com González de que a legalização deve ser uma estratégia mundial. Para ele, as mudanças na legislação devem ser feitas localmente, país por país, do contrário, seria como lutar contra uma maré muito forte e seria um esforço em vão. “Se a mudança for feita aos poucos, a criminalização do consumo cairá em desuso”, aposta.

carmen_moya.jpgPor sua vez, a delegada do governo para o Plano Nacional sobre Drogas, Carmen Moya (foto), declarou ser a favor de uma política europeia de drogas. Em um editorial para o jornal “El País”, Moya concorda com Brendan Hughes, analista legal do Observatório Europeu de Drogas e Dependências Químicas (OEDT): “o que afirma a ONU é, basicamente, que deve haver um controle das drogas para proteger a saúde, mas ultimamente tem se atuado mais no reforço das leis”, escreveu.

Neste marco,  podem ser enquadradas as políticas de “descriminalização - e não de legalização - do consumo de drogas”. Para Hughes a diferença é chave. “Ao descriminalizar o consumo, ele passa anão ser mais um delito cabível de pena e o usuário não vai preso por consumir a droga, mais isso não qeur dizer que que seja legal", explica.

Com relação à legalização do comércio o especialista é cético. “De fato, a regulamentação da ONU a respeito - que proíbe o comércio - é uma das que tem mais adesões e é muito difícil que 200 países mudem de opinião, supondo que houvesse vontade política de tentar legalizá-lo”, afirma Hughes.

domingo_comas_antenea.jpgA legalização da venda de drogas é algo que Hughes duvida que ocorra, pelo peso da opinião pública. “Nunca tivemos uma pesquisa nacional em que a maioria da população apoiasse a legalização. Siempre são uma minoria. Nem sequer está claro se a população distinguiria entre legalizar e descriminalizar porque as pessoas enxergam o tema como uma questão de tudo ou nada: ou proíbe tudo ou legaliza tudo”, declarou Hughes.

Domingo Comas (foto), presidente do Grupo Interdisciplinar sobre Drogas da Fundação Atenea, ONG que luta pelos direitos dos excluídos socialmente, aposta em outra direção. Durante o seminário "Ciclo de cultura e exclusão", que tratou da questão das drogas em manifestações culturais, Comas considerou “inevitável” que se acabe despenalizando o comércio de drogas.

Para o especialista, o consumo terapêutico da heroína é outro passo nesse sentido e estima que depois virá a descriminaliação do uso recreativo da cocaína. “Quando a sociedade aceitar isso, alguém terá que dizer que há necessidade de regularizar a prohibición e a distribución”, opina. Nessa hipótese, entrarão grandes empresas no negócio. E o que Comas admite é que não se sabe se seria “um momento melhor ou pior que o atual”.

Declarações a favor ou contra, o certo é que o debate está aberto no país que é considerado pelas Nações Unidas o segundo maior mercado de Europa, ficando atrás somente do Reino Unido. A Espanha também é o país com a maior população carcerária da União Europeia, e onde cerca de 70% dos presos estão na cadeia por delitos relacionados às drogas.

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